Uma história real
O caminho pode ser escuro, estreito ou longo, mas percorrido a dois é mais fácil de fazer…
Já passaram uns anos, nem me apetece pensar quantos, mas a memória é despertada a qualquer momento, quando menos esperamos, por um cheiro, um espaço ou mesmo por uma pessoa…
Tudo começou quando decidimos que queríamos ter um filho. Algo aparentemente simples, iria torna-se doloroso e longo… ao olharmos ao nosso redor todos tinham os seus rebentos ou víamos que vinham a caminho.
Acho que todos os casais em algum momento receiam não conseguir ter um filho e comigo, em especial, sempre achei que ia ser complicado, seria instinto??!!
Deixei a pílula e ao fim de 2 meses engravidei…nem queria acreditar, afinal, a minha intuição estava errada. O teste da farmácia deu positivo, mas o meu corpo sentia-se estranho e tinha dores, como se a menstruação estivesse para aparecer. Foi uma alegria pouco duradoura, e deu se o primeiro aborto, ou gravidez não evolutiva… aqui começou a nossa verdadeira luta contra o tempo.
O desejo que, o próximo aniversário não chegasse começou a ser uma realidade, começava a confiar novamente na minha intuição e que esta poderia ter algum fundamento. Quase um ano se passou, mas a cada mês que passava e a menstruação aparecia era uma desilusão para ambos… o medo dentro de mim era enorme e embora o marido tentasse ser otimista pelos dois, sabia que também ele tinha receio.
Este meu feeling fez-nos procurar ajuda profissional e após uma longa e exaustiva pesquisa percebemos que no nosso hospital também havia seguimento de consultas de infertilidade.
Só o nome da consulta assustava “consulta de infertilidade “. Tivemos alguns meses de espera e foi agoniante, desesperante, pode parecer tontice, mas nestes momentos o tempo é contabilizado de forma diferente e parece que passa mais rápido. Foi até ali, um segredo só nosso, não por vergonha, mas como forma de nos protegermos. A “pressão”, a nossa já se começava a sentir e embora a tentássemos combater com um sorriso nos lábios a verdade é que isso já mexia com o nosso interior.
A nossa sociedade ainda tem como bem adquirido que, um casal tem de ter filhos e nem passa pela cabeça da maioria que as coisas não são tão lineares, talvez por nunca terem passado por aquele tormento, por aquela sensação de incapacidade de… de perda…
O amor que nos une fez com que conseguíssemos ultrapassar estes ápices de forma subtil, só pelo olhar conseguíamos entender quem de nós precisava de “socorro” e isso foi uma mais-valia.
A tão desejada consulta chega e o marido, sentia-o relutante, na altura não conseguia decifrar o porquê, mas hoje percebo que estava mais aterrorizado que eu, o medo dele era tão grande ou maior que o meu. Fomos na expectativa de que a resolução para tudo estava atrás de uma daquelas portas, de uma daquelas caras e o pensamento deambulava no sentido que mais desejávamos; sim é por aí, mas, não de acordo com os nos nossos timings ou vontades! A equipa foi sempre muito direta e incisiva, mas ao mesmo tempo calorosa e aconchegante. Foram meses cansativos com um batalhão de análises e exames, alguns demasiado dolorosos. Tudo isto em alturas específicas do mês (principalmente na mulher). Aos nossos olhos, leigos e ao mesmo tempo esperançosos, nunca mais chegávamos ao ponto de ver tudo resolvido. Hoje percebo que tudo tem o seu timing.
Olhando para trás confesso que não sei como conseguimos aguentar, tanto psicológica como fisicamente, e levar tudo tão “serenamente”.
Mais uma vez reforço que é fulcral o casal se manter em sintonia e termos a capacidade de entender o outro.
Tivemos a sorte de saber “ajudar-nos” no momento certo, tivemos capacidade de perceber qual de nós estava a precisar de mimo, tivemos o discernimento de nos amarmos nas alturas certas. Sim, houve também momentos em que desistir parecia o mais simples, aceitar que não ia dar.
Lembro-me que uma dessas vezes foi quando nos disseram o porquê da nossa dificuldade de ter um filho! Nesse momento senti uma vontade enorme de desistir, de me confortar com a possibilidade de sermos só os dois! E aí foi ele que me fez querer continuar, foi ele que me deu alento, força e coragem. Depois de tantos exames e análises ficou concluído que tínhamos a FIV (fertilização in vitro) como possível solução. Mais um palavrão, mas resumido: o nosso filho seria fecundado num laboratório e só depois transferido para o meu útero. Aqui houve outro momento difícil de assimilar, mas que de imediato aceitámos, longe de saber o que nos esperava.
Não foi um processo fácil fisicamente e foi preciso alguma força interior para ultrapassar a componente psicológica. Mas também não é fim do mundo!
Depois de tanta injeção, medicação, ecografias, mal-estar, dores, visitas ao hospital (dia sim, dia não) o positivo chegou… a estatística mostrava que a taxa sucesso era baixa, mas ainda assim, desta vez entrámos para os números da esperança…ao fim de uns dias percebemos que seriam 2 bebés!
A felicidade iria ser a dobrar e depois de tudo por que passámos, era uma notícia formidável nem nos passava pela cabeça a dificuldade que poderia ser ter dois pequeninos a precisarem de nós ao mesmo tempo, esse seria a menor das nossas preocupações
Infortúnio da vida ainda não seria desta. Agora outra complicação atingiu-nos! Acabámos por perder os nossos 2 meninos às 20 e 21 semanas! Foi um misto de emoções avassaladoras que invadiram as nossas cabeças, as nossas vidas o nosso quotidiano. Voltar às rotinas diárias foi extremamente doloroso. Tínhamos imensas perguntas para as quais não conseguíamos resposta. Hoje sinto que teve de ser, mas o porquê nunca o saberei!
Fizemos o nosso luto, mas, por alguma razão não queríamos desistir e entregar-nos a esta dor de perda, para sempre! Temos mais “bebés congelados” vamos dar lhes vida! Pode parecer caricato, estranho ou mesmo horrendo, mas este foi o pensamento real que tivemos. Até novos sucessos passaram-se mais duas gravidezes que não evoluíram para além das 12 semanas…estávamos de rastos a nível psicológico e eu mais ainda fisicamente…embora não me permitisse desistir, o conselho do nosso médico foi esperar mais uns meses para novas tentativas.
Passaram meses e de forma inesperada a menstruação não desceu… testes à urina era o que não faltavam lá por casa. Fiz mais um, agora em segredo para não criar expectativas ao marido, assim as desilusões ficavam só para mim. Uma carinha sorridente apareceu no visor seguida da informação extra: “grávida 4 semanas”.
Fiquei por momentos olhar para visor com medo que mudasse e passadas 40 semanas com vários internamentos, idas ao bloco, muita medicação, muito repouso, muitos enjoos, angústias, medos, ansiedade, séries televisivas em dia, livros devorados, lá nasceu a nossa pequena menina.
Feita em casa, ahahah e muito desejada. Mas deixem que vos conte que a nossa menina só teve nome as 37 semanas, só teve 1ª roupa às 38 semanas e tudo o resto foi comprado depois das 38 semanas de gravidez. O medo, de que algo ainda pudesse correr mal, era tremendo!
Não tinha saudades de estar grávida, não gostei de o estar e o parto embora fácil deixou marcas durante meses, mas o desejo de voltar a sermos pais era tão grande que no dia seguinte ao parto olhei para meu médico e disse-lhe: prepare-se porque eu quero voltar a ser mãe!
Bem, já sabíamos que tínhamos dificuldade em engravidar e dificuldade em manter as gravidezes por isso não voltei mais a tomar a pilula. Ao fim de 2 anos sem conseguir nova gravidez, decidimos ir ter com o nosso médico. Queríamos voltar a marcar tratamento porque ainda tínhamos embriões criopreservados. Nestes casos é mais rápida a consulta, já não precisamos de medição e monitorização antes da transferência, apenas aguardamos a menstruação e contagem de dias para transferir o/os embrião/ões para o útero. Já tínhamos falado com o obstetra e aguardávamos a data para ir ter com ele… entrávamos no primeiro isolamento pelo Covid e eis que a menstruação teimava em não aparecer. Confesso que nesta fase já nem sabia qual a última vez que tinha menstruado, inédito! Mas a verdade é que nos últimos 2 anos desligámos de tudo isto e esquecia tudo o que tivesse a ver com menstruação, ovulação, medicação, até os momentos menos bons pareciam mais longe. A nossa menina tornara-se o nosso mundo e a nossa prioridade. Quase nos fez esquecer o que foi preciso ultrapassar e perder a alguns anos atrás.
Olharmos para ela fazia-nos sentir que a nossa luta não tinha sido em vão, que tivemos um final feliz, que apesar de algumas vezes termos perdido a fé e a esperança, tínhamos conseguido. E conseguimos juntos, unidos… sabemos que nem sempre há finais felizes, mas acredito que tudo nos acontece com um propósito ou não acontece também por alguma razão. O que somos hoje é resultado de tudo o que passámos e sou alguém grata pelo que tenho.
Todas as perdas que tivemos custaram, mas acredito piamente que foi por alguma razão…
E eis que, quando menos esperava que acontecesse, descobrimos que estava novamente grávida. Foi uma agradável surpresa. Mas voltaram os medos e as inseguranças, assim como, uma gravidez de alto risco com internamentos prolongados, medicação, repouso quase absoluto, enjoos intermináveis, mas vivida igualmente com muito amor.
Agora foi um príncipe, igualmente, só teve nome às 34 semanas e nasceu com 37 semanas!
Hoje olho para trás e embora sinta que há coisas piores na vida, não foi uma jornada fácil, contudo, sentimos que vencemos uma de muitas batalhas das nossas vidas.
Contrariamente ao que seria expectável, conseguimos dois filhos de forma natural!
Acreditem, mesmo quando tudo parece acontecer para não termos um final feliz!
Por aqui aprendeu-se a dar valor a pequenas coisas e a pequenas vitórias, a recordar o que está para trás com amor no coração!
Autor Anónimo
Agradeço aos meus queridos amigos que, mesmo de forma anónima, quiseram partilhar esta experiência com todos vocês. Tenho a certeza que irá ajudar alguns e tocará no coração de muitos. Nunca desistam de um sonho!