Estive a ouvir uma entrevista com o psicólogo Eduardo Sá. As palavras, diretas e profundas, tocaram em pontos nevrálgicos da nossa forma de viver e de nos relacionarmos, especialmente com a infância e com as nossas próprias emoções. Tomei nota de algumas frases que me fizeram pensar e que decidi partilhar neste texto que é um convite à reflexão.
Comecemos pelo que verdadeiramente nos define enquanto seres inquietos, movidos pela sede de saber: “sem perguntas não há respostas” e “sem problemas não há soluções”. A curiosidade e o desejo de saber mais são o motor que impulsiona a vida, é algo que deveríamos preservar e cultivar. Contudo, vivemos num tempo paradoxal, onde “temos muitas perguntas sem resposta”, talvez porque nos esquecemos de que “perguntar resulta do encantamento por algo” e não é o resultado de uma banalidade qualquer. Será que estamos a perder a capacidade de nos maravilharmos, de nos deixarmos tocar pelo desconhecido?
Este esquecimento reflete-se na forma como lidamos com os mais novos. “As crianças parecem demasiado irrequietas e agitadas… e quem é que promove isso? Será que somos nós, os adultos, com boa intenção claro…”. Na ânsia de lhes preencher o tempo e evitar o “vazio”, privamo-las de uma ferramenta essencial que é o aborrecimento. “O aborrecimento é património da humanidade” e ensinamos as crianças a evitá-lo. É no aborrecimento que reside o espaço para a criatividade, para a imaginação e, sim, é este o encantamento que gera as perguntas que não devem ficar sem resposta.
Vivemos, infelizmente, num “tempo batoteiro”, onde a superficialidade e a pressa parecem dominar. Esquecemos que “somos tanto mais bonitos quanto formos verdadeiros”. E a verdade também passa pelo acolhimento de todas as emoções, as “boas” e as “más”. “Vivemos um tempo estúpido”, evitamos e fugimos do medo e da tristeza, mas não há medos nem tristezas estúpidas. “Conviver com o medo é como uma campanha de vacinação, é a forma de aprender a lidar com ele”, o mesmo acontece com a tristeza. É a coragem de sentir que nos prepara para a vida, porque, afinal, “até os desafinados têm coração”.
A chave para uma vida plena, para Eduardo Sá, está no equilíbrio mágico: “O segredo da vida é conseguir ter os pés assentes na terra e a cabeça na lua”. É preciso a base, a realidade, mas também o sonho e o entusiasmo. A “pulsão pela vida chama-se entusiasmo” e temos de a sentir todos os dias para nos sentirmos vivos.
A forma como vemos e nos relacionamos com o mundo está intrinsecamente ligada à nossa perspetiva, pois “vemos o mundo à altura dos nossos olhos”. E esta visão é sempre relacional. “Vivemos em contratransferência”, quando estamos com alguém passamos a ser um conjunto. Ninguém é uma ilha e “ninguém é feliz sozinho”.
“Como psicólogo é um privilégio ouvir histórias”, estar com pessoas que se abrem e dividem comigo as experiências e as emoções e ainda me pagam para isso. É na partilha e na vulnerabilidade que encontramos a verdadeira conexão. No entanto, cometemos falhas relacionais constantemente: “quando foi a última vez que dissemos a alguém gosto de ti? Não é preciso, elas sabem”… Não, não, isso não é verdade, não chega sentir, é preciso dizer, é preciso ouvir. O amor precisa de ser comunicado e verbalizado para se tornar real.
Por fim, uma das frases mais impactantes recorda-nos a transitoriedade e a importância de cada fase da vida: “No dia que um dos pais morre termina a nossa infância”. É um lembrete de que o tempo passa e que a infância, esse tesouro de encantamento e vulnerabilidade, tem o seu fim, por mais que queiramos agarrá-lo.
Que estas reflexões, nascidas das palavras de um especialista, nos ajudem a questionar mais, a sentir mais e a comunicar o nosso afeto, para que possamos viver com os pés na terra e a cabeça na lua.
